Publicado em 17/02/2022, no site Pebmed
Desde o dia 12 de fevereiro está ocorrendo a
Conferência sobre Retrovírus e Infecções Oportunistas (CROI), que vai até o dia 24 de fevereiro, em formato virtual, na plataforma da conferência.
Uma das sessões de discussão do CROI 2022 abordou os aspectos da infecção pelo SARS-CoV-2, discutindo os fatores que podem estar associados a aspectos clínicos da covid-19, como a gravidade de doença. Os principais destaques podem ser conferidos abaixo.
Carga viral, progressão de doença e resposta ao tratamento
A discussão inicial envolveu os possíveis impactos da mensuração da carga viral na prática clínica dos cuidados com pacientes com covid-19. Ferramentas que pudessem prever gravidade de doença seriam úteis e há evidências que sugerem relação entre a carga viral e progressão da infecção. Ao mesmo tempo, algumas populações não fazem clearance viral rápido e pode levar à seleção de variantes. Considerando esses aspectos, carga viral de SARS-CoV-2 pode ser útil:
- Em avaliações para predizer risco de progressão de doença;
- A ajudar a determinar quais populações poderiam se beneficiar de tratamento estendido ou de cursos repetidos de terapia;
- Como forma de triagem para testes de resistência, uma vez que essa tende a ser mais frequente com o aumento no uso de antivirais;
- Como comparador em ensaios clínicos.
Entretanto, algumas limitações se mostram como desafios para o uso clínico da carga viral, tais como:
- Falta de padronização das técnicas;
- Testes persistentemente positivos por longos períodos;
- Ausência de conhecimento sobre se a dinâmica viral ou a magnitude máxima é o fator mais importante.
Entre as diferentes técnicas para mensurar a carga viral, destacam-se as culturas virais, RT-PCR e teste de antígeno. O último vem ganhando espaço como marcador de transmissibilidade, apresentando, nesse ponto, vantagem sobre a técnica de RT-PCR, que pode permanecer com resultados positivos por muito tempo. As vantagens e desvantagens de cada técnica, destacadas na palestra, estão resumidas na tabela abaixo:
Cultura viral | RT-PCR | Teste de antígeno | |
---|---|---|---|
Vantagens | Provavelmente o melhor correlato de infectividade | • Ct geralmente disponível • Maior experiência clínica | • Pode ser feito nas unidades de atendimento • Provavelmente melhor correlato de infectividade do que RT-PCR |
Desvantagens | • Tem potencialmente menor sensibilidade • Necessita de laboratórios com nível 3 de biossegurança • Não disponível em laboratórios clínicosTeste | • Ausência de padronização • Longo período de resultado positivo com significado indeterminado | • Teste quantitativo não está amplamente disponível • Necessita de estudos de sua relação com gravidade de doença |
Maiores cargas virais – expressas como menores valores de Ct – parecem estar associadas com maior gravidade de doença, mas o tempo em que a carga viral permanece elevada parece ser um preditor ainda mais importante. Estudos têm mostrado que pacientes criticamente doentes têm valores baixos de Ct em exames de RT-PCR por mais tempo, mesmo após ajuste para outros fatores como idade e comorbidades.
Ainda não há evidências suficientes que permitam dizer a influência do tamanho do inóculo na gravidade da doença, embora estudos com vírus sincicial respiratório (RSV) em humanos e com SARS-CoV-2 em modelos animais sugiram que maiores inóculos estão associados a doença mais grave.
A maioria dos antivirais aprovados para uso no tratamento de covid-19 – nrimatrelvir/r, molnupiravir, remdesivir e sotrovimab – apresentam associação com redução na carga viral detectada em exames de RT-PCR. A grande exceção seria o remdesivir, em que não houve diferença na carga viral de pacientes que receberam remdesivir em relação aos controles, mas análise de cultura viral de amostras de lavado broncoalveolar mostraram redução na quantidade de vírus viáveis no grupo que recebeu remdesivir.
Ainda nessa linha, estudos prévios vêm mostrando que pacientes imunocomprometidos podem permanecer com cultura positiva por meses e que o uso de cursos repetidos de remdesivir foram associados a resposta nos valores de Ct nessa população.
Variantes e gravidade de doença
Além do papel da carga viral, diferenças em aspectos clínicos entre as diferentes variantes de SARS-CoV-2 também foram discutidas, principalmente em relação a transmissibilidade e capacidade de causar doença grave.
Comparações foram traçadas principalmente entre as variantes delta e ômicron, responsáveis pelas últimas ondas observadas ao redor do mundo. Em relação à delta, a variante ômicron está associada a maior transmissibilidade, a maior taxa de ataque secundário em contatos domiciliares, a maior risco de reinfecção e a maior risco de escape vacinal.
Por outro lado, as evidências até o momento também sugerem menor gravidade com as infecções por ômicron. Dados do Canadá, Escócia e Inglaterra mostraram taxas de hospitalização 64%, 65% e 67% menores, respectivamente, em relação à delta. De forma semelhante, dados dos EUA mostraram redução de 70% de atendimentos nas unidades de emergência, 56% de hospitalizações, 67% nas admissões em CTI, 84% na necessidade de ventilação mecânica e 91% de mortalidade em comparação com a delta.
Importante destacar que não são somente características inerentes às diversas variantes explicam as diferenças encontradas em relação à gravidade. Vacinação, infecção prévia e adesão a medidas não farmacológicas de prevenção podem afetar transmissibilidade e gravidade de doença.
Outro ponto de destaque é que a aparente menor gravidade da ômicron não significa menor pressão sobre o sistema de saúde. Com a intensa transmissão comunitária, observou-se um aumento expressivo no número de hospitalizações, inclusive em unidades de terapia intensiva. Ao mesmo tempo e de forma semelhante, observou-se um aumento fora de proporção do número de hospitalizações de crianças, especialmente as com idade entre zero e quatro anos. Acredita-se que essa população seja mais vulnerável no cenário atual por não estar contemplada entre os elegíveis para vacinação e por serem mais suscetíveis a doenças graves de via aérea superior.