Publicado originalmente em 26/04/2022, no site da CNN Brasil
Pesquisadores brasileiros descobriram um mecanismo ligado ao agravamento da Covid-19 relacionado aos pulmões. De acordo com o estudo, pacientes com quadros clínicos graves da infecção apresentaram uma atividade significativamente aumentada na produção de enzimas associadas ao processo de inflamação do órgão.
As descobertas publicadas na revista científica Biomolecules abrem novas possibilidades na busca pelo tratamento da doença.
Pela primeira vez, pesquisadores conseguiram identificar a atividade enzimática aumentada e a expressão de dois tipos de enzimas, chamadas metaloproteinases, MMP-2 e MMP-8, em quadros severos da Covid-19.
Essa espécie de “tempestade” de enzimas ajuda no processo de inflamação exacerbada do pulmão, que acaba alterando as funções do órgão. Normalmente, as metaloproteinases (grupo de enzimas que participam do processo de degradação de proteínas) são importantes na cicatrização e no remodelamento do tecido, mas, com a produção excessiva, elas podem provocar lesões.
Outros estudos já haviam mostrado que a resposta inflamatória exacerbada à Covid-19 é caracterizada pela “tempestade” de citocinas, levando à síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA). Nesta pesquisa, o grupo de cientistas desvendou um mecanismo de desregulação das metaloproteinases, que pode estar associado à formação de fibrose no órgão, deixando sequelas nos pacientes.
Como foram realizadas as análises
Foram analisadas amostras de líquido aspirado traqueal de 39 pessoas internadas com casos graves de Covid-19, intubadas em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) da Santa Casa e do Hospital São Paulo, ambos em Ribeirão Preto, entre junho de 2020 e janeiro de 2021. Também foram incluídos 13 voluntários críticos hospitalizados, mas por diferentes condições clínicas, para o grupo de controle, além de dados de biópsias pulmonares de indivíduos falecidos em decorrência da doença.
“Descobrimos que as metaloproteinases agem por dois mecanismos no pulmão: por injúria tecidual e ao modular a imunossupressão por meio da liberação de mediadores inflamatórios existentes na membrana das células, como o sHLA-G, um importante mediador de resposta imune”, explica Carlos Arterio Sorgi, professor do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), e um dos autores do estudo.
A lesão é causada quando o tecido detecta um estímulo nocivo externo ou um corpo estranho. Nessas circunstâncias ocorre uma inflamação e, durante esse processo, o cenário se modifica com o surgimento de células de defesa produzindo mediadores que levam a um desequilíbrio no organismo chamado estresse oxidativo.
Ao analisar as amostras, os pesquisadores detectaram que as taxas de MMP-2 e MMP-8 foram significativamente maiores no líquido aspirado traqueal de pacientes com Covid-19 em comparação aos não contaminados pelo novo coronavírus. Além disso, os indivíduos que morreram tinham um nível maior dessas enzimas ativas do que os que sobreviveram.
Durante a ação das metaloproteinases no pulmão são liberadas moléculas do sistema imune das membranas das células, entre elas sHLA-G e sTREM-1, responsáveis por causar imunossupressão no órgão. Ou seja, em vez de estimular a imunidade antiviral, o vírus acaba não enfrentando resistência do organismo.
Na pesquisa, os dados demonstraram que os níveis de sHLA-G e sTREM-1 eram elevados em pacientes com Covid-19 e, após uma série de testes, ficou demonstrado que a MMP-2 estava envolvida na liberação de sHLA-G.
De acordo com os resultados, pacientes com a Covid-19 também apresentaram aumento na contagem de neutrófilos (um tipo de glóbulo branco responsável pela defesa do organismo, capaz de produzir algumas metaloproteinases e espécies reativas de oxigênio) no pulmão.
Embora a base molecular dos mecanismos imunológicos associados ao novo coronavírus ainda seja desconhecida, está estabelecido que a infecção pulmonar se associa à inflamação exacerbada e ao dano dos tecidos do órgão. De acordo com o estudo, as MMPs são componentes cruciais dos processos que levam à pneumonia e ao agravamento dos casos da Covid-19.
Até então, as metaloproteinases vinham sendo estudadas como biomarcadores para a doença. No trabalho recente, essas moléculas aparecem no modo como a doença se desenvolve no pulmão, como potencial alvo terapêutico.
Segundo Sorgi, os próximos passos da pesquisa incluem testes em modelos animais de um inibidor de metaloproteinase associado a anti-inflamatórios para tentar reverter o quadro grave de Covid-19. Uma dessas drogas é a doxiciclina, antibiótico disponível no mercado brasileiro e atualmente usado para tratar doenças como febre tifoide e pneumonia.
“Vamos precisar começar do zero. A ideia é montar um novo projeto, incluindo parcerias com grupos internacionais, para trabalhar com o modelo animal e depois a aplicação clínica”, afirma o professor.